Se esse fusca falasse…

Fusquinha verde-abacate cruzando a Paes de Barros, não importa que seja de manhã – eu estudava à tarde –, faz-me lembrar da Mitsuko, professorinha irritante de Matemática. O pior é que de fato aprendi umas coisinhas com ela, embora tanto mais tenha aprendido a considerar a Matemática um saco. No entanto, passando os olhos em minha carteirinha escolar, vejo que não fui tão mal assim, considerando o tipo de aluno nada exemplar que eu era e as impressões e sensações que a atmosfera opressora da professorinha deixava onde quer que ela respirasse – o que minava qualquer habilidade didática e talento que ela pudesse ter no magistério.

Raras foram as vezes que a vi deixar escapar um sorriso daquela boquinha sempre trancada, de lábios tensos e queixo colado no peito. Quando acontecia de sorrir, não se tratava de uma simpatia forçada, admito, mas de algo muito autêntico e sincero, por isso intrigante. É que por mais espontâneo que pudesse parecer esse lado legal da psôra, o que sobrava para o aluno era sempre uma sombra impertinente que se elevava na sala de aula e subjugava a todos desde o fundo da alma.

Não sei por que me vieram tais sensações neste momento; deve ser por causa do fusquinha: fusca verde-abacate tem sempre o mesmo ronco felino, a mesma cor fosca sebosa, o mesmo jeito rastejante de se firmar no asfalto, como se fosse habitual a sofrência por carregar quilos de tranqueira no bagageiro de teto. Não tenho dúvida de que ela morava na Paes de Barros; naquela época todas as professoras moravam na Paes de Barros. Talvez seja por isso que toda vez que eu vejo um fusquinha verde-abacate na rua me vem a bendita impressão de que a Mitsuko está de novo entrando na sala.