O poder do livre-pensamento

A influência do pensamento marxista deixou graves cicatrizes em nossa sociedade. Hoje é possível provar o gosto amargo de seus frutos. Basta um pouco de sensibilidade e um breve olhar ao redor para se ter uma idéia de como essa ideologia afeta a orientação dos nossos princípios e a formação da nossa visão de mundo.

Se tal formulação estiver correta, o segredo para entender o pensamento da opinião pública em nosso tempo está na definição de verdade. Seguindo a lógica do ideário marxista — tentando ser “científicos” na análise —, seríamos todos obrigados a admitir, inclusive sob pena de punição severa, que a verdade não é algo que é, mas algo que se faz, ou, se preferirem, que se cria. É que a verdade para o marxismo é um constructo, ou seja, ela só pode ser alcançada, com muito trabalho e sacrifício, por peritos muito bem treinados e notáveis conhecedores da doutrina, a saber: os marxistas. Segundo essa gente, a verdade só pode ser revelada cientificamente, através da análise crítica e profunda dos discursos por trás dos quais reinam os interesses de classe.

Aliás, é conveniente deixar aqui uma nota importante e irônica a esse respeito: o discurso marxista não pode ser enquadrado nesse conceito, pois está isento de julgamentos; a presença de interesses de classe nos discursos marxistas é algo que não se deve discutir, senão para descobrir que “deturparam o marxismo”.

Se ainda assim a curiosidade humana insistir em perguntar o porquê, é melhor esquecer, pois toda pergunta que aponte contradições no pensamento marxista só faz piorar a loucura, provocando mais argumentos insanos e malabarismos mentais que legitimem o que não se pode legitimar em um mundo de mentes saudáveis. Mesmo os intelectuais e militantes mais perspicazes sequer responderão a quaisquer objeções, senão através dos manjados disparates, delírios e arranjos geniais que só eles sabem fazer. Se um delinquente rouba o seu celular e atira em sua cabeça, o marxista não vê aí a evidência do fato concreto, a verdade gritante de que uma pessoa lhe roubou e matou a tiros; o que ele vê é uma elucubração ampla e complexa, que só um tratado de quinhentas páginas de alguma ciência marxista do sujeito oprimido poderia explicar.

Com o passar do tempo, essa noção, que coloca a intelligentsia marxista como sendo uma espécie rara e virtuosa de cientistas da verdade, transcende a formulação original de Marx e decai, para deleite geral, no uso comum. A coisa então evolui naturalmente para o estado de coisas que observamos nos dias de hoje: elaborar, criar e expressar noções de verdade tornou-se atributo de qualquer um, basta ter cérebro ativo e saber contar até três. As palavras e ações dos indivíduos têm o mesmo valor e peso moral, trate-se de um cidadão do bem ou do mal, gênio ou inepto, intelectualmente saudável ou não, a despeito da realidade e dos fatos concretos que se possa confirmar com os próprios olhos.

A mentalidade marxista nos obriga a pensar que a verdade não é, ela se faz. Ora, se a verdade é algo que só possa ser feito ou criado, isso implica que sua essência seja variável e sua substância inevitavelmente relativa e efêmera. Sua presença na comunicação humana se torna assim utilitária, visando apenas meios e nenhum fim senão o que gera capital político e autoridade moral a grupos de poder, além de facilitar o crescimento pessoal através de afirmações de virtudes não raro artificiais e inconsistentes.

Se portanto é variável a verdade, ela pode ser livremente formulada por todos e qualquer um a qualquer momento e em qualquer posição ou situação, seja no presente concreto, no passado acabado ou no futuro desejado. Sendo livremente formulada, ela deve ser livremente aceita, o que paradoxalmente legaliza o dever geral de aceitar que todos tenham direito de formulá-las tal como desejarem.

Diante de tais circunstâncias, a existência da verdade e sua importância dependem unicamente da adesão subjetiva que lhe é dada; logo, se cada indivíduo tem a liberdade e a capacidade natural de criar verdades, então toda a realidade, visível e invisível, só poderia ser criação humana.

A lógica pois nos obriga a supor que, sendo assim, o próprio Marx e seus adeptos são também criadores de verdades. No entanto, para a surpresa de ninguém, todo marxista dirá que, ao contrário das demais, as suas verdades são legítimas, porque científicas, e não criadas ideologicamente. Ora — dirão os críticos do marxismo —, se existem verdades legítimas, então a verdade não pode ser relativa! Pois é, para acabar com a briga, resolvamos a discussão dizendo que para o pensamento marxista e, consequentemente, para a mentalidade esquerdista em geral, a única verdade existente é aquela que favorece a revolução. Portanto, não há contradição alguma no pensamento marxista, senão a mais pura coerência.

Isso nos leva a crer na idéia de que todas as proposições de verdade que não estejam alinhadas aos objetivos revolucionários são aquelas por trás das quais existem interesses de classe. Karl Marx e seu séquito de companheiros iluminados seriam assim os arautos da sabedoria, salvadores da humanidade, únicos seres capazes de redimir a sociedade, pois tendo eles o mérito e a glória dos escolhidos, livrariam-nos da opressão capitalista, paternalista e cristã, cabendo somente a eles a autoridade moral e o conhecimento científico para fazer único e aceitável juízo sobre todas as ações humanas.

Está na cara que tudo não passa de farsa polida; o que se quer na realidade é destruir os pilares culturais que sustentam a civilização ocidental para construir no lugar algo que não se sabe exatamente o que é, apenas o que se pode ganhar com isso, material, psicológica ou politicamente. O inimigo não quer simplesmente corrigir e aperfeiçoar as imperfeições da História, mas transformá-la completamente, ainda que o resultado de tal transformação seja uma verdadeira catástrofe. A pá de cal já está em pleno movimento, sob orientação de uma engenharia social aplicada à total dessensibilização dos afetos e degeneração das capacidades cognitivas humanas.

Em outras palavras, essa dita transformação significa colocar a atual sociedade abaixo e criar uma nova, isolada, controlada e administrada por uma nova ordem mundial. Mas nenhum marxista em sua sã demência irá descrever como é exatamente a sociedade perfeita que o movimento vislumbra. Isso porque não existe desenho algum de sociedade perfeita; a única coisa que existe é o prazer individual pela participação na práxis revolucionária.

Cabe neste momento uma nota importante: há décadas no Brasil as universidades, o ambiente político, a elite artística e a mídia estão empesteados de intelectuais empenhados na construção de um mundo melhor; no entanto, o mundo está cada dia pior.

Com a morte da verdade acabada — dita opressora —, e a adesão ao livre-pensamento, cessam as afirmações intolerantes e ficam apenas as impressões variadas, benevolentes e amplas, sustentáculo das noções de igualdade, liberdade e fraternidade modernas que regem a fabulosa orquestra humana em franco progresso.

Como conclusão, é preciso ter em mente que às novas gerações principalmente deve-se dirigir o mais pleno e comprometido esforço de conscientização, lançando com amor e generosidade os alertas precedentes.

Atenção! Em combate, o inimigo certamente dirá que se a verdade fosse uniforme e definida, não haveria espaço para a inteligência humana, a qual nesse caso estaria subjugada, escravizada por ela. Dirá também que para que o espírito humano prospere é preciso que não haja verdades nem certezas absolutas, e que só assim se alcança a emancipação e o desenvolvimento do senso crítico tão caros à razão. Dessa forma, o pensamento não mais estaria submisso à dominação constrangedora e tirânica da verdade.

Mas não se enganem, estejamos atentos, tudo não passa de ladainha, raciocínio doentio e moralmente diabólico. A norma que alimenta o pensamento progressista – atualização do marxista – é variar as definições de todos os termos da linguagem, modificando o vocabulário e o sentido das palavras com o objetivo de adequar o entendimento humano sobre as coisas às conveniências e necessidades do partido e das elites no poder: é preciso relativizar tudo, constante e indefinidamente, viralizando a liberdade, a independência e o prazer irrestrito dos sentidos individuais.

O relativismo universal é o mundo colorido do messias moderno, progressista e identitário. No cenário escatológico pré-fabricado que está sendo jogado em nossa cara, nota-se como sendo preferível o erro livremente apreendido à verdade dura que se impõe em sua nobre e perfeita nudez. Livre-pensamento é utopia, anarquia. Diferente do que nos fizeram pensar, trata-se de algo nascido de sanhas totalitárias e não tem nada a ver com democracia ou qualquer clichê politicamente correto. O pensamento livre, como o quer a modernidade, só é possível em detrimento da verdade. A idéia do pensamento livre em si mesmo, sem considerações reflexivas e auto-conscientes, contradiz a própria lógica do pensamento racional humano, pois o livre pensar, sobretudo na sociedade dinâmica e imediatista em que vivemos, é a melhor maneira de não pensar no que foi dito.

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